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O Ser Humano para Além das Novas Tecnologias

O homem é um ser social. Embora alguns possam entender que o é por uma questão de puro egoísmo, isto é, como forma de sobreviver, como preceitua o pensamento hobbesiano, parece mais razoável admitir sua essência benévola, como retratado pela visão rousseauiana. Em qualquer dos casos, parece inconteste admitir seu destino de aderir a um contrato social, que o enquadra às normas sociais ou o distorce de suas tendências primitivas positivas. Neste âmbito, renuncia à sua essência para se entregar aos ditames sociais, quer de um Estado impositivo ou de uma sociedade que o molda que, inevitavelmente, o faz se perder.

Outrora as pessoas iam se reconfigurando em razão de regras de instituições como a Igreja e a família, núcleos mais delimitados e, por isso, alertas ao descumprimento de obrigações sociais, incluindo visitas a entes queridos, trocas de presentes e prosas de fim de tarde. Em tempos hodiernos, entretanto, estão absolutamente livres em meio a multidões, encontrando-se com desconhecidos e não mais se reconhecendo, perdidas na abundância de informações, mudando sua face em razão da conveniência de relações efêmeras. A potencialidade de novas tecnologias por vezes faz do amor, por exemplo, uma experiência solitária, ao tempo em que oferece paixões repetidas e o consequente esgotamento de qualquer sentido.

O exercício cômodo de sua essência social tem afastado o homem de seus pares. Não basta conhecer bem o outro, mas conhecer de alguma forma todos os outros, sendo o nó de relações pulverizadas, que nem ao menos se reconhecem para além de imagens adulteradas e mensagens pré-fabricadas. Cenas públicas enclausuram o homem em sua esfera social privada, conectando-o com o mundo e, paradoxalmente, impondo seu afastamento daqueles que estão ao lado. Há muito tem deixado de fazer sentido um jantar a dois ou uma excursão com um grupo de amigos, que são entrelaçados com interações simultâneas, em que a entrega não se consuma, mas satisfaz a necessidade de um ser social.

Envolto em uma teia mundial de tecnologias que não têm tempo para serem modernas, precisando lutar para não se contaminar com milhares de bits desnecessários para sua existência social, o homem se molda à fragilidade de uma folha seca, sensível às imposições capitalistas de consumo. Aparentemente livre, por vezes se rende à lógica dicotômica, que opõe pessoas, objetos ou ideias, tornando-se um ser automatizado, socialmente produzido em série. Sua dependência, embora reflita em aparelhos aos quais se prende, vai além, retratando seu desejo de estar em contato, comunicar-se; preso mesmo à sua essência social que o leva a isolar-se, perdendo-se entre mensagens, notícias, comentários e curtidas.

O desespero humano se faz notar quando se pretere o contato com os próximos para estar em conexão com multidões distantes. Jamais se foi tão individualistamente sociável, ao passo que nunca se recorreu tanto a maquiadores afetivos. O consumo de medicamentos, sobretudo os antidepressivos e ansiolíticos, confere a dimensão da carência daqueles que contam com milhares de seguidores, diversos com perfis enlatados e fotos padronizadas, todos muito elegantes e sorridentes, a maioria alheia aos sentimentos daqueles que estão em volta. Afinal, já não há mais tempo a perder com uma única pessoa quando se tem a chance de estar em contato com tantas e tão variadas.

O homem segue tendo natureza social. Porém, a espera desesperada de uma mensagem postada em uma garrafa que indique que do outro lado do mundo há alguém que realmente se importa com ele. Enquanto isso não acontece, a distorção da realidade e a busca desenfreada por ampliar a rede de contatos o aprisiona, paradoxalmente afastando-o de relações que poderiam ser consumadas com o contato direto e pessoal. Que se condenem as novas tecnologias? Não é este o propósito! Basta apenas usá-las em seu favor, permitindo que a sociedade evolua ao oferecer oportunidades para que as pessoas concretizem sua natureza social, não confundindo laços humanos com embaraços tecnológicos.

Valdiney V. Gouveia
Professor Titular de Psicologia Social
Universidade Federal da Paraíba



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